26 de janeiro de 2013

Agridoce


You'll never touch him again, so get what you can
Leaving him empty just because he's a man
So good when it ends, they'll never be friends
One more night, that's all they can spend

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Trocaram olhares mais uma vez e, junto com eles, muitas palavras. Ela moveu-se, sentando na beirada da cama, enquanto tirava os sapatos - um belo par de stilettos azuis, revestidos em camurça. Colocou-os ao pé da cama, próximos ao criado-mudo, e levantou-se - de pé, o olhou pelo canto dos olhos. A gravata repousava no chão, enquanto ele terminava de desabotoar a camisa.
O zíper desceu lentamente, o som do atrito preenchendo o pequeno quarto. O tecido azul-marinho deslizou pela pele alva; os olhos castanhos fixos nos dele. Tão logo o vestido tocou o chão, um sorriso malicioso formou-se em seus lábios rosados. Ele sorriu de volta, num estranho misto de malícia e saudade. Uma saudade antecipada.
A pouca iluminação que adentrava a janela permitia apenas um vislumbre dos esboços um do outro, embora a nitidez fosse irrelevante naquele momento. Os olhares se encontravam, independente do negrume. As respirações aceleravam e os suspiros se entrelavaçavam. Não precisavam de luz para dividir o calor entre si - nunca precisaram e, a essa altura, já não seria mais necessário. O sabor agridoce dos lábios dela invadia sua boca, o aroma suave de seus cabelos o atordoava, conforme os dedos se enrroscavam mais e mais nas madeixas escuras. O perfume amadeirado que ele usava a entorpecia, o roçar de seus dedos pelo seu corpo... Ah, aquele toque a arrepiava, de uma forma que só ele sabia fazer.
Um último suspiro, e isso era tudo o que ele se lembrava.
Quando deu por si, estava sentado à beira da cama, e a luz do dia já invadia quase todo o cômodo. O lençol revirado grantia-lhe que não havia sonhado, mas também lhe trazia um gosto amargo à boca. A camisa e a gravata ainda estavam no chão, mas não havia sinal do par de stilettos ou do vestido azul marinho. O perfume que ainda impregnava a fronha do travesseiro era agora apenas uma vaga lembrança. 
"Só mais uma noite", esse era o acordo. Nem mais, nem menos. Antes que se tornasse algo impossível de se lidar, antes que as boas memórias fossem transformadas em palavras amargas, antes que o quase amor se transformasse em angústia, era melhor que terminasse. Fora bom enquanto durou, mas agora havia acabado. A única coisa que haviam prometido era mais uma noite e, passada esta... Bem. Ficaria a lembrança do sabor agridoce dos lábios dela.

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One more night, that's all they can spend...
 One More Night by Stars

20 de janeiro de 2013

Resposta


Assim que terminei de ler aquelas linhas - escritas com uma caligafria muito mais elegante do que a de antigamente -, suspirei. Passei a mão pelos cabelos e meu olhar foi imediatamente atraído ao envelope, já amarelado, em cima do criado mudo. Aquele envelope. Aquela carta que eu nunca respondi, sabe-se lá o porquê.
Haviam muitos anos que nós tínhamos terminado. Apesar de carregar grande parte da culpa, e ter sido uma decisão tomada por ambos, eu demorei muito para superar. Acabei por aceitar aquela proposta de viagem, e fiquei dois anos fora do país. Larguei minha família, meu emprego, meus amigos, minha vida - larguei tudo. Qualquer coisa valeria a pena, desde que me fizesse te esquecer de uma vez por todas.
Eu, obviamente, não fui bem sucedido em meu plano. Mesmo lá, em outro continente, eu me lembrava de você quando ouvia certa música, quando tomava café num dia frio ou mesmo lendo uma notícia qualquer no jornal local. Aquelas trivialidades, sem valor algum, que uma vez dividi com você, pareciam ter o peso de uma tonelada. Meu coração pesava e, embora eu soubesse, não podia fazer nada a respeito: já não dava mais pra voltar atrás.
Conheci outras mulheres, me envolvi brevemente com algumas delas, mas nada surtia efeito. Esse coração estúpido teimava em me lembrar dos seus beijos, do seu sorriso, do seu calor, do seu amor. Do meu amor. Aquele, que nunca, sequer uma vez, deixou de existir, por mais que eu teimasse em dizer o contrário. Por fim, acabei voltando para casa. Não havia nada para mim ali, naquele continente estranho - não havia nada para mim em qualquer lugar que fosse, pois o que eu desejava era algo já impossível de se alcançar.
Quando voltei, deparei-me com um envelope. Aquele envelope. A data já era antiga, mas aquela caligrafia - ainda que estivesse meio torta - parecia ter o poder de trazer tudo o que estava enterrado de volta à vida. Cada linha daquela carta - aquela carta - me deixava mais e mais angustiado, mas eu tinha a certeza de que nada mais podia ser feito. Muito havia acontecido, nós sequer mantivemos contato durante esses anos, de que adiantaria correr até sua porta e gritar, a plenos pulmões, o que eu estava sentindo? Já não havia mais sentido. E, por isso, eu me calei. Não fiz absolutamente nada: engoli meus sentimentos, impedi as minhas lágrimas e guardei aquele maldito pedaço de papel dentro de uma gaveta.
Embora não tenha demorado muito para tirá-lo de lá e lê-lo de novo.
De alguma forma, nós não fomos maduros o suficiente para enfrentar nossos problemas. Não soubemos resolvê-los; não soubemos escrever a nossa história, pois não haviam palavras o suficiente no nosso vocabulário. Nós nos deixamos levar pelo ritmo da música, mas esquecemos que não sabíamos dançar e acabamos por pisar nos pés um do outro. Por fim, eu acabei indo embora, mesmo sabendo que meu coração iria ficar.
Eu li e reli aquela carta tantas vezes... Decorei as palavras, encontrei as mensagens, me atentei aos borrões e às ondulações do papel, onde suas lágrimas provavelmente caíram. Não deixei nada, absolutamente nada, passar. Ainda assim, nunca me sentir no direito de responder.
Hoje, anos mais velho, eu me arrependo amargamente por não tê-lo feito. E receber essa carta, com essa caligrafia elegante, só confirmou minhas suspeitas. Eu deveria ter corrido até você enquanto pude, eu deveria ter gritado a plenos pulmões tudo o que estava entalado em minha garganta, eu deveria ter lhe dito o que você esperava que eu dissesse. Que eu era tão covarde quanto você, que eu tinha medo, que você não precisava pedir perdão, que eu queria mais uma chance, que eu te amava. 
Considerando tudo isso, me pergunto se vale a pena desistir. Se eu não vou me arrepender do meu silêncio mais tarde. Se, embora eu não deva entender nada além dessas palavras aqui escritas, nessa caligrafia elegante, não existe nenhuma mensagem escondida. Se eu não deveria achar curioso você me mandar uma carta, a essa altura do campeonato, dizendo que ainda se lembra de mim.
Se você não está me cobrando a minha resposta.
Seja lá o que for, agora já é tarde demais pra pensar nisso. Se for pra se arrepender, que seja de ter saído de casa, com esse envelope em mãos; se for pra se arrepender, que seja desse andar apressado, embaixo da garoa; se for pra se arrepender, que seja da besteira que estou prestes a fazer, e não das que não fiz. Se for pra se arrepender, que seja de estar batendo nessa porta de novo. Seja lá o que eu esteja procurando, a única certeza é de que a resposta está do outro lado.

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Resposta a Aquela Carta.

11 de janeiro de 2013

Confiança



Confiança é como um vaso de porcelana: se ele se quebrar, é possível juntar os pedaços de novo, e fazê-lo voltar a ter a mesma forma. No entanto, as rachaduras permanecem. Não importa o que você faça, ele jamais será o mesmo vaso de antes.

7 de janeiro de 2013

Eternamente


Eu penso em você com carinho, apesar de tudo. Mesmo tendo dito que eu te odiava, e que nunca ia te perdoar, eu guardo você no coração com muito zelo, e jamais seria capaz de te esquecer. Eu desisto, de uma vez por todas, de tirar você da minha vida, da minha mente, do meu coração, de mim. Não existe "eu" sem "você", ainda que estejamos longe. Esse amor que eu sinto por você ultrapassa os limites da distância, do silêncio, da razão, até mesmo os do próprio amor - ou, talvez, do amor-próprio. Não importa quantas pessoas tenham passado pela minha vida nos últimos anos, nenhuma delas é capaz de suprir esse vazio dentro de mim ou essa falta que você me faz, embora eu saiba que não haja solução pra mim.
Você se foi, pra nunca mais voltar, e eu não posso fazer nada a respeito.
Mesmo que eu te ame, mesmo que eu sinta sua falta, mesmo sabendo onde você está, eu não posso mais te alcançar, e essa é a minha maior fraqueza. Não é você, não são meus sentimentos, é essa impotência que me impede de seguir em frente, essa incerteza de algo que poderia ter sido, e não foi, e nenhum de nós sabe o porquê. Acordar sem você faz os dias mais amargos, e não há nada nesse mundo que tire esse gosto da minha boca.
Eu quero te ver. Eu quero te ver. Eu preciso te ver!
Eu preciso te abraçar, sentir a sua presença, o seu calor, e te ver sorrir, ao menos uma vez. Eu não sei lidar com essa perda, com esse mundo sem você, com esses sentimentos que não podem mais te alcançar. Eu não sei! Como é que se põe fim num sentimento infinito? Imensurável? Infindável? Quanto tempo vai levar até que esse vazio no meu peito se preencha, que esse amor descanse em paz, assim como todo o resto entre nós? Como você espera que eu siga em frente, se o tempo já não passa mais pra mim?
Independente de tudo isso, eu vou sempre me lembrar de ti, sem lágrimas, sem ressentimentos. O carinho que eu tive por você eu sempre terei, e nada no mundo vai mudar isso. Eu espero te encontrar de novo um dia e, se te encontrar, eu quero te abraçar e dizer o quanto senti sua falta. O quanto eu te amo. O quanto você significa pra mim. Ainda que não encontre nem as palavras nem os gestos certos para fazê-lo, eu quero que você saiba que não há ninguém no mundo que possa ser pra mim o que você é, sempre foi e sempre será.
Eu amei você pra vida toda. Só não tive uma vida inteira pra te mostrar.

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"Você beijou meus finos dedos
Eu nunca te esquecerei
Mesmo que nós estejamos em pedaços
Eu sempre me lembrarei do nosso último beijo
Sempre lembrarei

[...]

Você beijou meus finos dedos,
Eu nunca me esquecerei de você.
Eu acredito que nos encontraremos de novo,
Seu último beijo é raro

Lembro de você chorando,
E eu beijando seus finos dedos, tão finos.
Mesmo que seja o fim desse amor.
Nunca mais esquecerei seu último beijo.
Não esquecerei."
Bonnie Pink, Last Kiss.

5 de janeiro de 2013

Três.


Éramos três. Ali, sentados à mesa, vivíamos um impasse: eu olhava para você, você para ela e ela, por sua vez, olhava pela janela, pois o que buscava estava muito além do vidro embaçado. Eu sabia tudo sobre você; você, sabia tudo sobre ela; ela, por sua vez, não sabia nada sobre nós - ou era justamente o contrário: ela sabia tudo sobre nós, e seu desinteresse na verdade era sua forma de manter distância da nossa dança. Afinal, não se podem dançar três pessoas ao mesmo tempo.
Não importava a paixão em seu olhar. Eu não lhe tirava da cabeça, e me incomodava consideravelmente viver em constante guerra com a confusão desses meus sentimentos sem pé ou cabeça, nessa constante incerteza de gostar e desgostar de você. Da mesma forma, não importava o quão distante estava o olhar dela, você jamais desistiria do seu amor platônico. Ainda que ambos soubéssemos que ele nunca seria correspondido, a cada dia ele se fortalecia, mais e mais, para meu horror e desespero. Enquanto isso, ela buscava, nas próprias histórias, um romance que há muito já estava fadado a desmoronar, como um castelo de areia ao ser atingido pelas ondas. Não havia mais nada a se fazer por nós: éramos três desiludidos, três corações partidos, três pobres indivíduos que sofriam das irremediáveis dores de amor.
Ela, sofria pela distância; nós, pela proximidade. Ver-te amar um outro alguém, assim tão de perto, e ser aquela a secar as lágrimas que jamais seriam derramadas por mim era uma tortura, das mais cruéis. Deixar-te aos prantos, sofrendo em sua solidão, no entanto, não era uma opção. Te ver feliz me machucava, te ver triste me machucava. Que opções eu tinha? Já você, do outro lado da mesa, junto dela, sofria ao vê-la assim, tão próxima, com a certeza que seu coração estava longe, eternamente fora de seu alcance. E ela, principalmente, porque amava, mas já não tinha mais esperanças de encontrar a própria felicidade. Porque, às vezes, amar apenas não é o suficiente.
Éramos três. E, no entanto, eu estava sozinha do outro lado da mesa, assistindo a um filme sem-graça que eu já sabia, de cor, o final. Nossa história sem começo, meio e fim, sem pé nem cabeça, sem clímax, sem enredo, sem nada. Só me restava uma dança, embalada por uma triste melodia. Ainda assim, um impasse.
Não se podem dançar os três de uma vez.

1 de janeiro de 2013

Falta


Hoje, pensei em você. E é incrível que, mesmo depois de um ano, você permanece em mim com a mesma força, e só a menção do seu nome é como uma tempestade. A gente fez coisas demais, sentiu coisas demais e viveu coisas demais, e não é assim tão fácil esquecer tudo isso. Ainda que não houvesse nada entre nós, havia algo que só nós podíamos fazer, e eu sinto falta disso todo dia.
Todo dia eu sinto sua falta.
Sempre tem algo que me lembra você: seu suco favorito, as músicas que você me mostrou, seu aniversário, sua banda favorita, suas manias bobas, seus vacilos, suas burradas... seu medo. Tanta coisa que eu vejo, e seu nome me vem a cabeça. Um simples comentário do dia-a-dia faz meu coração apertar, e a sua imagem me preenche os pensamentos - e, daí, só outro dia pra poder esquecer.
Você já não preenche os meus sonhos, e a gente sequer se fala, nem se vê, mas meu coração bate da mesma forma. A sua presença permanece viva dentro de mim, e viver nessa dúvida - se você deliberadamente me evita, ou se você simplesmente esqueceu de mim - é o que mais incomoda. 
Eu nunca vou saber. A gente nunca mais vai se falar e, caso aconteça, eu não vou te fazer as perguntas que ficaram intaladas na minha garganta por tanto tempo.
Um ano sem você. E, de uma forma ou de outra, eu parei no tempo, porque niguém pode te substituir. Ninguém pode. E não dá pra seguir em frente sem você...