20 de janeiro de 2013

Resposta


Assim que terminei de ler aquelas linhas - escritas com uma caligafria muito mais elegante do que a de antigamente -, suspirei. Passei a mão pelos cabelos e meu olhar foi imediatamente atraído ao envelope, já amarelado, em cima do criado mudo. Aquele envelope. Aquela carta que eu nunca respondi, sabe-se lá o porquê.
Haviam muitos anos que nós tínhamos terminado. Apesar de carregar grande parte da culpa, e ter sido uma decisão tomada por ambos, eu demorei muito para superar. Acabei por aceitar aquela proposta de viagem, e fiquei dois anos fora do país. Larguei minha família, meu emprego, meus amigos, minha vida - larguei tudo. Qualquer coisa valeria a pena, desde que me fizesse te esquecer de uma vez por todas.
Eu, obviamente, não fui bem sucedido em meu plano. Mesmo lá, em outro continente, eu me lembrava de você quando ouvia certa música, quando tomava café num dia frio ou mesmo lendo uma notícia qualquer no jornal local. Aquelas trivialidades, sem valor algum, que uma vez dividi com você, pareciam ter o peso de uma tonelada. Meu coração pesava e, embora eu soubesse, não podia fazer nada a respeito: já não dava mais pra voltar atrás.
Conheci outras mulheres, me envolvi brevemente com algumas delas, mas nada surtia efeito. Esse coração estúpido teimava em me lembrar dos seus beijos, do seu sorriso, do seu calor, do seu amor. Do meu amor. Aquele, que nunca, sequer uma vez, deixou de existir, por mais que eu teimasse em dizer o contrário. Por fim, acabei voltando para casa. Não havia nada para mim ali, naquele continente estranho - não havia nada para mim em qualquer lugar que fosse, pois o que eu desejava era algo já impossível de se alcançar.
Quando voltei, deparei-me com um envelope. Aquele envelope. A data já era antiga, mas aquela caligrafia - ainda que estivesse meio torta - parecia ter o poder de trazer tudo o que estava enterrado de volta à vida. Cada linha daquela carta - aquela carta - me deixava mais e mais angustiado, mas eu tinha a certeza de que nada mais podia ser feito. Muito havia acontecido, nós sequer mantivemos contato durante esses anos, de que adiantaria correr até sua porta e gritar, a plenos pulmões, o que eu estava sentindo? Já não havia mais sentido. E, por isso, eu me calei. Não fiz absolutamente nada: engoli meus sentimentos, impedi as minhas lágrimas e guardei aquele maldito pedaço de papel dentro de uma gaveta.
Embora não tenha demorado muito para tirá-lo de lá e lê-lo de novo.
De alguma forma, nós não fomos maduros o suficiente para enfrentar nossos problemas. Não soubemos resolvê-los; não soubemos escrever a nossa história, pois não haviam palavras o suficiente no nosso vocabulário. Nós nos deixamos levar pelo ritmo da música, mas esquecemos que não sabíamos dançar e acabamos por pisar nos pés um do outro. Por fim, eu acabei indo embora, mesmo sabendo que meu coração iria ficar.
Eu li e reli aquela carta tantas vezes... Decorei as palavras, encontrei as mensagens, me atentei aos borrões e às ondulações do papel, onde suas lágrimas provavelmente caíram. Não deixei nada, absolutamente nada, passar. Ainda assim, nunca me sentir no direito de responder.
Hoje, anos mais velho, eu me arrependo amargamente por não tê-lo feito. E receber essa carta, com essa caligrafia elegante, só confirmou minhas suspeitas. Eu deveria ter corrido até você enquanto pude, eu deveria ter gritado a plenos pulmões tudo o que estava entalado em minha garganta, eu deveria ter lhe dito o que você esperava que eu dissesse. Que eu era tão covarde quanto você, que eu tinha medo, que você não precisava pedir perdão, que eu queria mais uma chance, que eu te amava. 
Considerando tudo isso, me pergunto se vale a pena desistir. Se eu não vou me arrepender do meu silêncio mais tarde. Se, embora eu não deva entender nada além dessas palavras aqui escritas, nessa caligrafia elegante, não existe nenhuma mensagem escondida. Se eu não deveria achar curioso você me mandar uma carta, a essa altura do campeonato, dizendo que ainda se lembra de mim.
Se você não está me cobrando a minha resposta.
Seja lá o que for, agora já é tarde demais pra pensar nisso. Se for pra se arrepender, que seja de ter saído de casa, com esse envelope em mãos; se for pra se arrepender, que seja desse andar apressado, embaixo da garoa; se for pra se arrepender, que seja da besteira que estou prestes a fazer, e não das que não fiz. Se for pra se arrepender, que seja de estar batendo nessa porta de novo. Seja lá o que eu esteja procurando, a única certeza é de que a resposta está do outro lado.

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Resposta a Aquela Carta.

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