13 de outubro de 2012

Um texto qualquer

Eu não gosto quando te abraçam, ou quando seguram suas mãos. Não gosto quando alguém além de mim brinca com seu cabelo ou acaricia seu rosto, e odeio quando falam de você com um sorriso. Odeio ouvir seu nome em uma voz que não a minha ou a sua, e odeio quando falam de coisas que pensei que só eu sabia sobre você. Ainda assim, mais do que tudo isso, odeio a ideia de que existe alguém além de mim que te ama. Alguém que não te merece, assim como eu.
Não preciso esconder de mim mesma que te quero só pra mim. Que queria ser a pessoa que seus olhos porcuram em meio a multidão, e o número mais discado do seu celular. Queria ser a musa que te faz cantar, ou aquela a quem você procura quando precisa de carinho. Queria ser pra você muito mais do que sou agora, muito mais do que um dia vou ser.
Queria que essa sua gentileza e esse seu sorriso se voltassem só pra mim... Mas é pedir demais, não é? Eu nunca vou ser tudo isso pra você. Eu nunca vou ser nem metade disso pra você. Aliás, eu nunca vou ser alguém pra você - vou passar pela sua vida como mais uma pessoa qualquer, que te trouxe um sorriso e te deixou uma saudade passageira. E eu sei que não adianta amar alguém que nunca vai te amar de volta, mas não dá pra evitar: você já é mais do que deveria ser pra mim.
O que me resta é te abraçar de um jeito que não abraço mais ninguém, segurar suas mãos e brincar com seu cabelo de um jeito que só eu sei; falar de você com um sorriso que só eu posso dar e acariciar seu rosto de uma forma que só você mereça; procurar você na multidão e cantar pensando em ti, mesmo que com essa minha voz desafinada. Vou ser pra você o que você é pra mim, e esperar que um dia você me sorria de um jeito que só eu mereça ver. Talvez esse eu sem-graça te conquiste, e quem sabe um dia você goste de mim como eu gosto de você. Até lá... Bom, eu te escrevo algo mais. Mesmo que você não leia.

3 de outubro de 2012

Ficção: Interminável


Durante toda a tarde, eu tinha ensaiado aquele sorriso amarelo no espelho do banheiro. Eu podia dizer que era um esforço além do comum, mas já havia passado por aquela situação tantas e tantas vezes... Era compreensível, é claro, que eles se sentissem ultrajados com uma notícia tão súbita - afinal, não é sempre que nos contemplam com uma promoção em outro país. Eu não havia sido realmente promovida, na verdade, pois o chefe do departamento havia pedido por voluntários. E eu não havia descoberto tão recentemente, já faziam alguns meses. Uns bons meses.
Mas era um detalhe muito insignificante, nada que eles precisassem saber.
Ela desatou a chorar. Confessou-me que em breve se casariam, e queria que eu fosse sua madrinha - eu era uma amiga tão especial, alguém que ela amava tanto... como podia abandoná-la logo agora? Ele balançava a cabeça em sinal negativo, como se tentasse espantar um pensamento ruim. Os olhos, fixos em um ponto qualquer no chão, algo para o qual eu não daria atenção.
Levantei-me do sofá, e a abracei. Disse-lhe que estava feliz por ela e, enquanto começava a soluçar, reclamei sobre como seria difícil não tê-los por perto. Duas mentiras, num único instante.
Eu sabia que iriam se casar. Escolhi seu anel de noivado, em uma das mais caras lojas da cidade. Também sabia que já haviam escolhido o dia, sabia que a cerimônia realizar-se-ia na mesma igreja onde seus pais haviam se casado, e sabia também que o bolo seria enfeitado com cerejas, porque era a fruta favorita de ambos. Só não sabia como era o vestido, porque era tradição que o noivo só o visse no dia do enlace matrimonial.
Também não ia sentir saudades. Nem da suposta amizade que achavam que tínhamos, nem dos almoços alegres e fartos, nem das tardes jogando palavras ao vento na varanda. Também não sentiria falta dos filmes que vimos juntos, nem das fotos que eu nunca revelei embora jurasse que estavam coladas na porta do guarda-roupa. Não sentiria falta dessa amizade inventada, que eu criei e vivenciei com tanto amor e carinho. Não quando eu não havia vivenciado de verdade.
Disse-lhes que precisava ir para casa, pois a gata estava sem comida. Disse-lhes que ligaria, para que ele me levasse até o aeroporto, e para que pudéssemos nos despedir, e que lhes avisaria assim que descobrisse a data da viagem. Desejei-lhes amor, felicidade, todos os clichés que costumam desejar aos noivos, e nos dirigimos até a porta. Ele se ofereceu para me acompanhar e, com os olhos marejados, recusei o convite educadamente. Me despedi, e desci as pequenas escadas da varanda. Acenei antes de passar pelo pequeno portão de ferro e, enxugando as lágrimas - falsas, por sinal -, segui meu caminho.
Caminhei pelas ruas pouco iluminadas, e suspirei. Era tão fácil enganá-los, a todos eles, que sequer tinha graça. Sequer demandava algum esforço - e eu nem era atriz de verdade. Era tão fácil levar essa vida despreocupada, sem dores de cabeça... Me preocupava, às vezes, que a cada mudança eu chorasse com mais facilidade, mas era uma habilidade consideravelmente conveniente - o que fazia com que as preocupações sumissem rapidamente.
Já fazia muito tempo que eu me transferia quase que anualmente. Não existiam promoções, apenas algumas vagas que brotavam nos lugares mais longínquos - de forma muito conveniente. E eu não ia ligar quando descobrisse a data da viagem, uma vez que a passagem para o vôo de amanhã estava em cima da cabeceira. E eles sequer imaginavam que eu já havia vendido todos os móveis, nem que o táxi me buscaria às dez da manhã. Eles sequer imaginavam que eu chorava lágrimas falsas, que eu estava agradecendo aos mais diversos deuses por ir embora, que eles nunca mais iam me ver. Eles sequer imaginavam que viveram uma mentira por meses, e que eu estava cansada daquelas mentiras estúpidas.
Apressei o passo - a gata, de fato, precisava comer. Talvez não tanto, porque tinha lhe deixado comida na tigela, mas ela sempre pedia por mais. Também devia estar sentindo-se sozinha, já que eu havia dipensado a senhora que tomava conta dela, e ela odiava ficar sozinha. E eu já havia enfiado seus brinquedos na mala, seria quase impossível conter seu mau-humor caso estivesse com fome.
Eu sequer me questionava em como todas as minha relações haviam se resumido ao ronronar de uma gata. Reviver meus fantasmas ainda era difícil, embora já fizessem tantos anos, mas eu já havia aprendido o que precisava com eles. Eu não podia confiar nas pessoas, elas mentiam e, uma vez que você começa a perceber, não consegue mais ignorar. O fato de ela ainda não saber que eu e ele tínhamos um relacionamento até dois meses antes era prova o suficiente, não?
Conforme me aproxima do centro da cidade, podia ouvir mais vozes e risadas. O som dos pneus dos carros sobre a pista molhada me agradava - aliás, todos os sons me agradavam, com excessão de vozes. Eu já havia considerado se não tinha fobia social, mas minha última terapeuta havia garantido que não. Muito pelo contrário, eu era extremamente sociável, talvez até demais - meu grande erro, talvez, fosse esse. Confiar nas pessoas, gostar delas, contar meus segredos pra elas e me decepcionar com elas. É claro que eu não falava sobre meus relacionamentos superficiais, porque não me parecia interessante, mas também me era muito claro que ela sabia. Talvez não dos relacionamentos, mas da falta deles, provavelmente.
Embora eu soubesse desse problema, os relacionamentos eram inviáveis. As pessoas, inviáveis. A falsidade delas, inviável. Não era uma questão de adaptar-se: era uma escolha, e eu havia escolhido não sofrer. No fundo, por mais que eu tentasse me provar o contrário, eles todos se mostravam iguais no final. Sabiam o endereço do meu trabalho, mas nunca apareciam para perguntar de mim. Tinham o telefone do meu departamento, mas nunca ligavam para pedir notícias. Mandavam mensagens por e-mail e em redes sociais, mas desistiam em questão de poucas semanas se eu não os respondesse. Nenhum deles se dava ao trabalho de me procurar, e eu virava uma vaga lembrança, uma fotografia esquecida no fundo da gaveta.
E por isso, eu viajava. Me mudava. Conhecia o mundo, e sabia mais de dez idiomas diferentes - um hobbie, devo dizer. Eu fazia questão de sumir: assim que as relações mostravam-se complicadas, eu era misteriosamente promovida - quando dava por mim, meu supervisor estava na porta de casa com as passagens em mãos. Por mais que a saudade apertasse, eu nunca tinha tempo de escrever, e rarmente a internet ou o celular funcionavam aonde eu estava morando. O novo setor sofria de falta de funcionários, o que me impedia de fazer visitas durante as férias e feriados - quem dirá nos fins de semana! Ainda assim, eu adorava meu trabalho, e não o trocaria por nada - nem pelos supostos amigos, que eu supostamente amava tanto.
Quando abri a porta do apartamento, a gata miou alto. Veio até mim e enroscou-se em minhas pernas, enquanto eu girava a chave. Aquela companheira, praticamente muda, era extremamente confiável. Ainda que nossa relação se baseasse em carinhos, miados e comida. 
Assistimos a um filme antes de dormir, e ouvi aos recados deixados por minha mãe na secretária eletrônica. Em breve, estaria em casa, a veria e comeríamos biscoitos. Ela era, no fim das contas, a única pessoa que falava e andava em duas pernas com a qual eu ainda gostava de conversar e, vez ou outra, passava na cidade na qual ela morava - quando sabia onde era, já que ela se mudava tanto quanto eu. Mas nos últimos tempos ela falava muito da vida no interior, entre as vacas e cavalos, e pegar ovos no galinheiro parecia fazê-la extremamente feliz.
Chequei minhas malas. Fitei as paredes do apartamento, as luzes pela janela, os presentes que havia ganhado dela escostados no canto o quarto. No dia seguinte, pela manhã, tudo aquilo ficaria a milhas e milhas de distância, e aquela outra personalidade ficaria para trás. No dia seguinte, pela manhã, eu começaria uma nova vida - sem dores de cabeça, sem preocupações, sem mentiras. No dia seguinte, pela manhã, eu seria uma pessoa nova - em todos os sentidos da expressão.

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"So you're gone and I'm haunted
And I bet you're just fine
Did I make it that easy for you
To walk right in and out of my life?"

A fine fenzy - Almost Lover