2 de agosto de 2016

Contemplando-se

Na altura dos vinte e poucos anos, ela olhou para si mesma e contemplou sua vida. Era vazia, solitária e carregada de arrependimentos por dentro - embora aparentasse exatamente o oposto. Sabia mais ou menos como havia chegado naquele lugar, mas àquela altura já não era possível refazer o caminho e mudar os acontecimentos. Então fez a única coisa que podia fazer: conformou-se.
O que dependia dela, mudaria. O que pudesse fazer, faria. O que estivesse além de seus limites, deixaria pra lá.
Olhou pela janela e viu o dia nublado. E pensou no quão nublada era sua própria história, repleta de pontos cegos e nuvens espessas. Às vezes, gostaria de ver através da fumaça, depois pensava que poderia haver um motivo para que algumas coisas fossem obscuras, e deixava para lá. E então, de vez em quando, percebia que o que deixava para lá era ela mesma, e sentia que havia falhado mais uma vez.
"Algumas coisas estão além de nós", pensou, enquanto contemplava uma série de relações fracassadas. Entre amigos, entre familiares, entre colegas de trabalho. E pensou no quanto quisera mudá-las, fazê-las melhores, e não podia simplesmente porque não dependia dela.
Foi por isso, concluiu, que fechou-se em si mesma: o único mundo sob o qual ainda tinha algum controle. E não que tudo precisasse obedecer à sua vontade, mas porque estava cansada de ser submetida a força da correnteza de outros mares, de machucar-se nas pedras e afogar-se nas águas. Se tivesse mesmo de mergulhar, que fosse nas profundezas de si mesma, e tanto as pedras quanto os corais seriam seus. E se as pedras lhe machucassem, ao menos saberia onde não deveria mais pisar. E vez ou outra, quando contemplasse os corais e peixes e sentisse o frescor da água na pele, poderia sentir-se satisfeita ao saber que a beleza pertencia a si mesma, e não precisava buscar a felicidade em nenhum outro lugar.