20 de janeiro de 2009

Ficcção. "Palavras"

A garoa que riscava a paisagem era fina e intensa, caindo sem cessar do céu acizentado. Haviam poucas pessoas na rua, e as que restavam procuravam abrigar-se o mais rápido possível. A garota parada em minha frente mantinha a cabeça baixa, e os cabelos castanhos, levemente ondulados, tampavam seu rosto. Ela parecia tão frágil, e tive medo que pudesse adoecer de ficasse mais tempo ali, enquanto a garoa enxarcava cada vez mais suas roupas finas. O tecido leve, em tons de branco e cereja, já estava até transparente. Sem muita pressa, tirei meu casaco e coloquei-o, meio hesitante, em seus ombros.
Estávamos parados em frente do shopping onde havíamos marcado, e a convidei a entrar. Ela não respondeu, e não pareceu ter a intenção de fazê-lo. Toquei seu ombro levemente, e de forma lenta e delicada, ela se afastou.

"Eu disse algo errado?"

Não obtive resposta. Desejei desesperadamente saber o que se passava em sua mente, o que exatamente ela pensava naquele instante. Uma angústia sem precendentes crescia em meu peito. Suspirei, e abaixei meu corpo o suficiente para ver seu rosto escondido nas madeixas - agora um pouco mais escuras pela água.

"Você... quer que eu te deixe sozinha?"

O movimento de suas mãos pequenas foram tão rápidos e só o percebi quando senti a leve pressão na manga da minha camisa. Resolvi entender aquilo como um não. Devagar, passei o braço por seus ombros miúdos, e tentei guiá-la para o ponto de ônibus mais próximo. O silêncio me incomodava, e quase me enlouquecia, mas procurei respeitar isso. Nosso ônibus não demorou muito. Paguei as passagens e nos sentamos em um dos últimos bancos. Não tirei meu braço de seus ombros nem por um segundo, mesmo que me dificultasse o ato de andar. Ela parecia ainda mais cabisbaixa - talvez, por meu olhar inteso sobre si - e parecia que encolhia mais a cada segundo. Um lampejo de preocupação passou por mim quando a vi estremecer levemente, e apertei mais seu corpo contra o meu,

"Está com muito frio?"

Tudo que recebi foi um aceno negativo. Já era um começo - pelo menos, agora, ela me respondia.

"Quer que eu te leve pra casa? Quer ficar em algum outro lugar?"

"Pode só ficar comigo?"

Foi quase um sussurro, alto o suficiente para que apenas eu pudesse escutar. Ficar com ela? Até onde eu sabia, seu atual estado de espírito era minha culpa, e não acreditava que eu pudesse fazê-la melhorar. Não respondi a pergunta, mas deixei passar o primeiro ponto. Aquele ônibus passava perto do meu apartamento, então não havia necessidade de pegar outro. Eram apenas alguns minutos de caminhada, nada que não pudéssemos suportar.
O restante da viagem foi no completo silêncio, mesmo depois de descermos. Eu tinha muito o que dizer. Muito o que perguntar. Talvez ela também tivesse, talvez não. Eu não tinha como saber afinal.
Ela parou de repente, e tirei o braço de seus ombros. A rua calma estava agora deserta, e o único som que eu ouvia além da minha respiração era o da chuva, que havia se intensificado, caindo. Ela lentamente encostou-se no muro branco, agarrando-se ao meu casado. Seus olhos, do tom mais lindo de mel, levantaram-se apenas o suficiente para encontrar os meus.

"Você... realmente pensa assim?"

"Assim como?"

"Acha mesmo que seria melhor pra nós... nos afastarmos?"

Oh. Por essa eu não esperava. Não imaginei que esse comentário fosse a fonte de todo o problema, tampouco que ela ia me fazer essa pergunta.

"Bem... às vezes eu acho que não sou... exatamente bom o suficiente pra você, entende? Quero dizer... você sabe..." Ah, eu não conseguia encontrar as palavras certas para me expressar. "Talvez eu não seja muito presente, ou atencioso... Sei lá."

Eu a vi sorrir. Um sorriso meio torto, e seus olhos desviaram-se dos meus por um momento, apenas para que os encontrassem com mais intensidade logo em seguida.

"Você acha demais."

"Eu só não quero magoar você, entende?"

"Claro."

"Claro?"

Acho que ela realmente não estava entendendo o que eu estava tentando dizer.

"Bem... veja por esse lado. Se você realmente não fosse bom ou atencioso o suficiente, não estaria se perguntando isso. Não acha?"

Isso fez muito sentido.

"A única coisa que eu quero, é o seu amor. Se você me der isso, não preciso de mais nada."

Ah! Acho que essas eram as palavras que eu precisava ouvir.
Como você sempre sabe exatamente do que eu preciso?

1 de janeiro de 2009

Ficção. "Love on the Rocks"

Eu acho que, para uma jovem da minha idade, estar em casa sozinha, com uma caneca de chocolate-quente nas mãos em um dia frio e sentada em uma poltrona - meio encolhida e vestindo um moletom velho - não é bem um plano para o fim de semana. O que mais eu poderia estar fazendo? Eu não estou exatamente de bom-humor para procurar algo para fazer. Ficar aqui em meus devaneios foi o que me pareceu... melhor.
Talvez eu não tenha lá muito jeito para relacionamentos. É verdade que alguns de meus amigos - ou a grande maioria deles - me disse que eu parecia melhor sem você, mas eu nunca me importei muito com isso. Eu realmente não acredito em metade do que eles dizem, na maioria das vezes. Não acho que o meu emprego tenha atrapalhado as coisas, afinal eu precisava de um aumento - e você sabia que eu realmente precisava -, ou o meu aluguel ficaria a ver navios, com o aumento das despesas.
O que exatamente deu errado? Eu procuro não passar muito tempo me fazendo essa pergunta, já que eu nunca encontro a resposta. Também procuro ignorar o fato de que esse lugar ficou totalmente vazio e sem vida desde o dia que você saiu. Acho que ainda não associei os fatos. Você saiu de uma forma tão pacífica que foi como se estivesse saindo de viagem. Eu realmente sinto que, a qualquer momento, você abrirá a porta e vai entrar com o seu cabelo desarrumado e seu sorriso meio torto, com aquele olhar sem-graça que me dizia "Desculpe pela demora". Eu sempre achei engraçado o seu jeito tímido de dizer que estava com saudades.
Quem sabe, se houvesse alguma discussão, se tivésemos nos atacado com as palavras, eu entendesse tudo isso bem melhor. Ou se você realmente tivesse me abandonado, quem sabe. Parte de mim entende que todas essas reflexões são inúteis, porque fui eu quem disse "Acho que não está mais dando tão certo". Acho que fui eu quem destruiu o nosso relacionamento, afinal. Ficar agindo como se a culpa não fosse minha é algo completamente ilógico.
Dizem que o amor não é lógico, no final das contas. Completamente irracional.
Talvez eu nunca tenha sido uma pessoa racional. Tenho uma lembrança meio vaga daquele dia no restaurante italiano, quando você disse que o que te atraiu em mim foi o meu jeito meio "diferente". Eu me lembro também de você me dizendo algo sobre ficar comigo sem se importar pro meu jeito complicado. Você sempre dizia que gostava.
Afinal, o que foi que deu errado?
Hm, meu chocolate-quente está começando a esfriar. "Talvez seja melhor pensar menos e beber mais". Eu sempre achei interessante seu jeito doce e educado de me mandar calar a boca. "Você pensa demais nas coisas" era uma das frases mais irritantes. Você sempre foi tão oposto - tão completamente diferente de mim, e completamente perfeito para mim. Sempre tão calmo e seguro, sempre resolvendo as coisas. Talvez você estivesse tão acostumado com essas conversas que realmente não acreditou em mim, quando eu disse que não seria fácil se eu ficasse. A frase não tem lá muito sentido, já que o apartamento é meu e você quem teria que sair.
"Nosso amor ficou clichê demais pra você?", e você enfiou as mãos nos bolsos. Depois uma delas correu para o seu cabelo, e você o deixou ainda mais bagunçado. Você olhava o chão, e seus cabelos tinham cor de chocolate amargo. Estavam mais escuros por causa da chuva que você tomou aquele dia - eu sempre gostei do tom do seu cabelo, mas achava bonito quando ele ficava daquele jeito meio úmido, mais escuro que o normal. Eu realmente desmoronei quando seus olhos de chocolate encontraram os meus, e meu coração ficou todo derretido. Só não sei porque continuei com o assunto.
Por que eu tomei essa decisão mesmo?
Não que estivéssemos em alguma crise de relacionamentos, ou que eu estivesse muito carente, essas coisas. Eu só... bem, eu não sei bem o que aconteceu. Eu ainda não encontrei a resposta, afinal.
Não sei porque ainda sinto meu coração pular no peito quando a campainha toca, eu sei que não vou encontrar o que eu realmente quero do outro lado da porta. Não que eu realmente devesse esperar por isso, é meio óbvio.
Então, porque você está aqui, me olhando com esse sorriso meio torto e esse olhar sem-graça de "Desculpe pela demora"?