7 de fevereiro de 2009

Ficção. "Presentes"

Sua mão pequena apertou a minha, tão forte que eu até me assustei. Não me mexi, e não disse nada. Não deveria ser conveniente dizer alguma coisa, poderia... estragar o momento. O vento gelado era cortante, e machucava meu rosto. Imaginei se também a incomodava... ela parecia ser tão incrivelmente frágil. A impressão que eu tinha era de que o vento forte poderia quebrá-la em pedaços. Virei o rosto levemente, apenas para poder vê-la. Os cabelos em tom chocolate, que caíam delicadamente em ondas por suas costas eram tudo o que eu conseguia ver. Ela levantou uma das mãos até o pescoço, puxando um pouco o cachecol vermelho. Uma nuvem, quase imperceptível, saiu de seus lábios - indentifiquei isso como um suspiro. Seus olhos, igualmente chocolates, encontraram os meus. Ela deu um sorriso delicado.

"Está muito frio hoje, não é?"

Ah. Talvez fosse conveniente ter dito alguma coisa, afinal.

"Um pouco. Acho que o pior é esse vento forte, ele machuca."

Fiz uma careta. Isso a fez rir.

"Bem... acho que eu preciso de um carro. Ficar esperando um ônibus em um dia frio não é nada conveniente, nem interessante."

"Concordo plenamente. Vou te dar um carro."

Ela voltou-se para frente, enchendo as bochechas e fazendo um bico. Eu adorava esse tipo de reação.

"Me recuso a receber qualquer presente de você."

Por quê?
Independente de minha família ser... melhor assalariada do que a dela, ela ainda era minha namorada. Independente da minha conta bancária, eu tinha direito de dar um presente à ela. Não tinha? Suspirei.

"É muita infantilidade da sua parte não me deixar te dar presentes só porque eu... eu..."

Uma palavra. Uma palavra que não torna-se a frase indelicada.

"Só porque você é rico e eu não?" Era essa indelicadeza que eu estava tentando evitar. Ela sorriu, talvez achando engraçado. "Realmente me incomoda que eu não possa te dar um presente à altura. Pode respeitar a minha opinião, por favor?"

"Eu não me incomodo com presentes."

"Então porque insiste em me dar?"

Droga. Será que ela podia ser um pouquinho mais cooperativa? Ela definitivamente não estava ajudando.

"Porque eu amo você."

Ela pareceu pensar nisso por um momento. Tirou a mão que estava no bolso, e levou o dedo até os lábios. Ficou em silêncio por um tempo, enquanto sua expressão mudava rapidamente, parecendo analisar as possibilidades. Depois soltou um suspiro, e seus olhos encontraram os meus mais uma vez. O sorriso que eu amava estava estampado em seus lábios pequenos.

"Eu posso considerar seu amor um presente, não posso?"

"Acho... que pode."

Seu sorriso pareceu aumentar - não sei se ainda era possível, mas não me importei muito com isso.

"Esse é o melhor presente que você poderia me dar. Pra mim, já está bom assim."

Antes mesmo que eu respondesse, ela soltou minha mão, e andou até que ficasse exatamente na minha frente. Seus braços envolveram meu pescoço, me puxando levemente, e ela ficou na ponta dos pés para que seus lábios encontrassem os meus.

Esse
era o melhor presente que ela podia me dar.



Pequena continuação para "Palavras", à pedidos da Becky.

Ficção. "Pedaços"

No fundo, eu acho que eu sempre soube que não era como eu pensava. Todos aqueles sorrisos e brincadeiras eram apenas... amizade. Eu que me deixei levar, eu que entendi mal. Acho que esse negócio de viver sem arrependimentos não é verdade. Não tem como ser, porque eu sinto o arrependimento subindo e tomando meu peito, e eu não quero sentí-lo.
Talvez eu devesse ter ficado quieta. Talvez eu não devesse ter escutado meus amigos, e ter falado tudo o que eu pensava. Agora eu estou aqui sozinha, patética, encostada num canto do meu quarto com os pedacinhos do meu coração em mãos, e eu não sei o que fazer com eles.
De novo.
Como eu pude ser tão idiota, e repetir o mesmo erro? Quantas vezes eu terei que procurar alguém para colar os meus pedacinhos? Quando eu vou aprender a fazer isso sozinha, e deixar de ser tonta o suficiente para me quebrar? Quantas vezes eu vou fazer pra mim mesma este discurso, sabendo que logo eu vou simplesmente me esquecer de tudo isso?
Eu achei que eu estava fazendo o certo. Eu estava sendo sincera, e te dizendo o que eu sentia. Como você havia me pedido pra fazer.
"Eu quero que você sempre me diga o que sente, o que pensa... está bem? Nada de segredos entre nós."
Claro, eu tinha que acreditar nessas palavras cegamente.
Eu preciso eu mesma colar os meus pedacinhos. Você se lembra, de como eu te conheci? Eu estava deste mesmo jeito, sentada na calçada da escola, procurando um jeito de colar os pedacinhos, quando você veio e me perguntou com o tom mais doce...
"Por que você está aí, sozinha?"
E você se sentou comigo, e pouco a pouco, a cada dia, você colou todos os pedacinhos pra mim. E eu me sentia bem.
Quanta hipocrisia de sua parte, colar tudo e quebrar de novo.
Eu não vou mais me deixar levar. Eu vou me levantar sozinha, sem que alguém precise me ajudar. Talvez você tenha me ensinado alguma coisa.