3 de outubro de 2016

Couraça

Eu me ajoelhei e pedi aos deuses que me dessem forças, pois a ciência já não era capaz de lidar com o que restava do meu coração. Os livros e teóricos explicariam como funcionava cada célula que mantinha meu corpo funcionando, mas jamais seriam capazes de prover a força da qual eu necessitava todos os dias para levantar da cama. Depois de tantos anos aprimorando a armadura que me protegia dos males do mundo, ela tornara-se muito pesada para meus ossos frágeis.
Levantei, lavei meu rosto, vesti-me bem e, ao me encarar no espelho, vesti minha armadura. A pesada proteção, invisível aos olhos, por vezes um fardo ao qual me acostumei a carregar. Fossem gestos, palavras, momentos ou olhares, o mundo era cruel, e cada pequeno movimento da terra parecia acertar-me em cheio no peito. Viver é belo, mas nunca é fácil. A vida, por vezes, machuca, e nem sempre conseguimos aguentar.
Saí de casa, e nem mesmo os fones nos ouvidos conseguiam abafar o tilintar da couraça contra o chão. Meus ombros largos pareciam minúsculos dentro dela. Por dentro da casca de mulher feita e responsável, havia ainda uma menina insegura e assustada, que precisava esconder-se do mundo para sobreviver. A vida é, por vezes, selvagem, e vence aquele que consegue permanecer vivo ao final do dia. Vence aquele que consegue sobreviver aos ataques, aos ferimentos, às flechadas e apunhaladas dos demais. Vence o direito de viver mais um dia aquele que consegue suportar a dor com um sorriso no rosto e com resiliência no peito.
A cada dia, quando abro os olhos, sei que acordo vitoriosa. Acordar e sentir o ar encher os pulmões é a certeza de ter vencido mais uma batalha. Mas a luta cansa. Cansa, fere e mata aos poucos - e desistir da batalha é entregar-se aos dentes dos cães. É preciso muito para não perecer aos pés do outro.
Minha armadura pesa. E, mais uma vez, eu peço aos deuses que me permitam mais uma vez lutar por mim. Que me deem a força. Que me permitam viver mais um dia.