5 de março de 2009

Ficcção. "Lágrimas"

Lembro-me como se fosse ontem quando a vi pela primeira vez. Linda, com suas madeixas onduladas caindo-lhe delicadamente nos ombros e nas costas, a pele clara destacada pelo magnífico tom de vermelho do vestido. Tinha o corpo pequeno, embora bem-feito, e o vestido caía-lhe muito bem. Toda esta beleza estonteante, no entanto, era quebrada pelas lágrimas que rolavam pela face angelical, borrando a maquiagem leve. Ainda assim era linda, um anjo vindo do céu para me seduzir.
Pensei em chamar-lhe, oferecer um ombro amigo. No entanto, tive medo. Insegurança, talvez. Fiquei tanto feliz quanto sem graça, quando me dei conta que os olhos castanhos me encaravam. Sorri, sem jeito, sentindo-me um idiota. Talvez, eu devesse ter sido um pouco mais discreto, afinal. Minha primeira idéia foi sorrir educadamente e dar-lhe as costas; encará-la daquele jeito já estava se tornando rude. No entanto, aquele olhar suplicante me chamava, gritando em minha mente. Sem que me desse conta, eu já estava caminhando em sua direção. Ela abaixou a cabeça, fitando o chão, e a franja caiu sobre os olhos. Parei em sua frente, procurando ser o mais educado e menos estranho possível.
"Desculpe me intrometer mas, posos ajudar?"
Os olhos castanhos levantaram, fitando intensamente os meus. Ela parecia surpresa: os olhos em tom chocolate estavam levemente arregalados, os lábios entreabertos. Ela levou as mãos ao rosto, tocando as bochechas levemente, e pareceu se surpreender ainda mais. A voz melodiosa saiu entrecortada, num sussuro baixo e falhado.
"Não percebi que estava chorando..."
"Você está com algum problema? Precisa de ajuda? Eu posso chamar um segurança, ou..."
"Não", ela interrompeu. Isso pareceu deixá-la incomodada. Os olhos voltaram a fixar-se no chão - o que não me agradava nada; eu preferia que continuassem fixos nos meus. "Eu só... eu... eu nem sei o que eu tenho, na verdade." E ela sorriu. Ainda que fosse um sorriso irônico e deboxado, foi o sorriso mais lindo que eu já tinha visto.
"Aceita um café?", perguntei, mais por não ter o que falar do que por cortesia ou educação.
"Prefiro um refrigerante..." disse ela, se recompondo. "Eu pago."
"Eu ofereci; eu pago."
"Não. Minha mãe me ensinou a não aceitar nada de estranhos."
Não pude reprimir um sorriso. Conversamos muito naquela noite. Descobri que ela era bem jovem, universitária, filha única do segundo casamento do pai. Nao tinha namorado - ou, pelo menos, não tinha mais; não entrei em detalhes. Também não perguntei o motivo das lágrimas.
Nos encontramos mais vezes. Não demorou muito para nos tornar-mos amigos, e menos ainda para nos assumir-mos como um casal. Até hoje, não sei o motivo das lágrimas naquela noite. Não que eu não tivesse curiosidade em perguntar, mas sempre achei que fosse indelicado.
De qualquer forma, não me importa. Tudo o que preciso saber é que tenho este anjo só para mim, e que ela estará sempre com um lindo sorriso no rosto para iluminar meus dias.

7 de fevereiro de 2009

Ficção. "Presentes"

Sua mão pequena apertou a minha, tão forte que eu até me assustei. Não me mexi, e não disse nada. Não deveria ser conveniente dizer alguma coisa, poderia... estragar o momento. O vento gelado era cortante, e machucava meu rosto. Imaginei se também a incomodava... ela parecia ser tão incrivelmente frágil. A impressão que eu tinha era de que o vento forte poderia quebrá-la em pedaços. Virei o rosto levemente, apenas para poder vê-la. Os cabelos em tom chocolate, que caíam delicadamente em ondas por suas costas eram tudo o que eu conseguia ver. Ela levantou uma das mãos até o pescoço, puxando um pouco o cachecol vermelho. Uma nuvem, quase imperceptível, saiu de seus lábios - indentifiquei isso como um suspiro. Seus olhos, igualmente chocolates, encontraram os meus. Ela deu um sorriso delicado.

"Está muito frio hoje, não é?"

Ah. Talvez fosse conveniente ter dito alguma coisa, afinal.

"Um pouco. Acho que o pior é esse vento forte, ele machuca."

Fiz uma careta. Isso a fez rir.

"Bem... acho que eu preciso de um carro. Ficar esperando um ônibus em um dia frio não é nada conveniente, nem interessante."

"Concordo plenamente. Vou te dar um carro."

Ela voltou-se para frente, enchendo as bochechas e fazendo um bico. Eu adorava esse tipo de reação.

"Me recuso a receber qualquer presente de você."

Por quê?
Independente de minha família ser... melhor assalariada do que a dela, ela ainda era minha namorada. Independente da minha conta bancária, eu tinha direito de dar um presente à ela. Não tinha? Suspirei.

"É muita infantilidade da sua parte não me deixar te dar presentes só porque eu... eu..."

Uma palavra. Uma palavra que não torna-se a frase indelicada.

"Só porque você é rico e eu não?" Era essa indelicadeza que eu estava tentando evitar. Ela sorriu, talvez achando engraçado. "Realmente me incomoda que eu não possa te dar um presente à altura. Pode respeitar a minha opinião, por favor?"

"Eu não me incomodo com presentes."

"Então porque insiste em me dar?"

Droga. Será que ela podia ser um pouquinho mais cooperativa? Ela definitivamente não estava ajudando.

"Porque eu amo você."

Ela pareceu pensar nisso por um momento. Tirou a mão que estava no bolso, e levou o dedo até os lábios. Ficou em silêncio por um tempo, enquanto sua expressão mudava rapidamente, parecendo analisar as possibilidades. Depois soltou um suspiro, e seus olhos encontraram os meus mais uma vez. O sorriso que eu amava estava estampado em seus lábios pequenos.

"Eu posso considerar seu amor um presente, não posso?"

"Acho... que pode."

Seu sorriso pareceu aumentar - não sei se ainda era possível, mas não me importei muito com isso.

"Esse é o melhor presente que você poderia me dar. Pra mim, já está bom assim."

Antes mesmo que eu respondesse, ela soltou minha mão, e andou até que ficasse exatamente na minha frente. Seus braços envolveram meu pescoço, me puxando levemente, e ela ficou na ponta dos pés para que seus lábios encontrassem os meus.

Esse
era o melhor presente que ela podia me dar.



Pequena continuação para "Palavras", à pedidos da Becky.

Ficção. "Pedaços"

No fundo, eu acho que eu sempre soube que não era como eu pensava. Todos aqueles sorrisos e brincadeiras eram apenas... amizade. Eu que me deixei levar, eu que entendi mal. Acho que esse negócio de viver sem arrependimentos não é verdade. Não tem como ser, porque eu sinto o arrependimento subindo e tomando meu peito, e eu não quero sentí-lo.
Talvez eu devesse ter ficado quieta. Talvez eu não devesse ter escutado meus amigos, e ter falado tudo o que eu pensava. Agora eu estou aqui sozinha, patética, encostada num canto do meu quarto com os pedacinhos do meu coração em mãos, e eu não sei o que fazer com eles.
De novo.
Como eu pude ser tão idiota, e repetir o mesmo erro? Quantas vezes eu terei que procurar alguém para colar os meus pedacinhos? Quando eu vou aprender a fazer isso sozinha, e deixar de ser tonta o suficiente para me quebrar? Quantas vezes eu vou fazer pra mim mesma este discurso, sabendo que logo eu vou simplesmente me esquecer de tudo isso?
Eu achei que eu estava fazendo o certo. Eu estava sendo sincera, e te dizendo o que eu sentia. Como você havia me pedido pra fazer.
"Eu quero que você sempre me diga o que sente, o que pensa... está bem? Nada de segredos entre nós."
Claro, eu tinha que acreditar nessas palavras cegamente.
Eu preciso eu mesma colar os meus pedacinhos. Você se lembra, de como eu te conheci? Eu estava deste mesmo jeito, sentada na calçada da escola, procurando um jeito de colar os pedacinhos, quando você veio e me perguntou com o tom mais doce...
"Por que você está aí, sozinha?"
E você se sentou comigo, e pouco a pouco, a cada dia, você colou todos os pedacinhos pra mim. E eu me sentia bem.
Quanta hipocrisia de sua parte, colar tudo e quebrar de novo.
Eu não vou mais me deixar levar. Eu vou me levantar sozinha, sem que alguém precise me ajudar. Talvez você tenha me ensinado alguma coisa.

20 de janeiro de 2009

Ficcção. "Palavras"

A garoa que riscava a paisagem era fina e intensa, caindo sem cessar do céu acizentado. Haviam poucas pessoas na rua, e as que restavam procuravam abrigar-se o mais rápido possível. A garota parada em minha frente mantinha a cabeça baixa, e os cabelos castanhos, levemente ondulados, tampavam seu rosto. Ela parecia tão frágil, e tive medo que pudesse adoecer de ficasse mais tempo ali, enquanto a garoa enxarcava cada vez mais suas roupas finas. O tecido leve, em tons de branco e cereja, já estava até transparente. Sem muita pressa, tirei meu casaco e coloquei-o, meio hesitante, em seus ombros.
Estávamos parados em frente do shopping onde havíamos marcado, e a convidei a entrar. Ela não respondeu, e não pareceu ter a intenção de fazê-lo. Toquei seu ombro levemente, e de forma lenta e delicada, ela se afastou.

"Eu disse algo errado?"

Não obtive resposta. Desejei desesperadamente saber o que se passava em sua mente, o que exatamente ela pensava naquele instante. Uma angústia sem precendentes crescia em meu peito. Suspirei, e abaixei meu corpo o suficiente para ver seu rosto escondido nas madeixas - agora um pouco mais escuras pela água.

"Você... quer que eu te deixe sozinha?"

O movimento de suas mãos pequenas foram tão rápidos e só o percebi quando senti a leve pressão na manga da minha camisa. Resolvi entender aquilo como um não. Devagar, passei o braço por seus ombros miúdos, e tentei guiá-la para o ponto de ônibus mais próximo. O silêncio me incomodava, e quase me enlouquecia, mas procurei respeitar isso. Nosso ônibus não demorou muito. Paguei as passagens e nos sentamos em um dos últimos bancos. Não tirei meu braço de seus ombros nem por um segundo, mesmo que me dificultasse o ato de andar. Ela parecia ainda mais cabisbaixa - talvez, por meu olhar inteso sobre si - e parecia que encolhia mais a cada segundo. Um lampejo de preocupação passou por mim quando a vi estremecer levemente, e apertei mais seu corpo contra o meu,

"Está com muito frio?"

Tudo que recebi foi um aceno negativo. Já era um começo - pelo menos, agora, ela me respondia.

"Quer que eu te leve pra casa? Quer ficar em algum outro lugar?"

"Pode só ficar comigo?"

Foi quase um sussurro, alto o suficiente para que apenas eu pudesse escutar. Ficar com ela? Até onde eu sabia, seu atual estado de espírito era minha culpa, e não acreditava que eu pudesse fazê-la melhorar. Não respondi a pergunta, mas deixei passar o primeiro ponto. Aquele ônibus passava perto do meu apartamento, então não havia necessidade de pegar outro. Eram apenas alguns minutos de caminhada, nada que não pudéssemos suportar.
O restante da viagem foi no completo silêncio, mesmo depois de descermos. Eu tinha muito o que dizer. Muito o que perguntar. Talvez ela também tivesse, talvez não. Eu não tinha como saber afinal.
Ela parou de repente, e tirei o braço de seus ombros. A rua calma estava agora deserta, e o único som que eu ouvia além da minha respiração era o da chuva, que havia se intensificado, caindo. Ela lentamente encostou-se no muro branco, agarrando-se ao meu casado. Seus olhos, do tom mais lindo de mel, levantaram-se apenas o suficiente para encontrar os meus.

"Você... realmente pensa assim?"

"Assim como?"

"Acha mesmo que seria melhor pra nós... nos afastarmos?"

Oh. Por essa eu não esperava. Não imaginei que esse comentário fosse a fonte de todo o problema, tampouco que ela ia me fazer essa pergunta.

"Bem... às vezes eu acho que não sou... exatamente bom o suficiente pra você, entende? Quero dizer... você sabe..." Ah, eu não conseguia encontrar as palavras certas para me expressar. "Talvez eu não seja muito presente, ou atencioso... Sei lá."

Eu a vi sorrir. Um sorriso meio torto, e seus olhos desviaram-se dos meus por um momento, apenas para que os encontrassem com mais intensidade logo em seguida.

"Você acha demais."

"Eu só não quero magoar você, entende?"

"Claro."

"Claro?"

Acho que ela realmente não estava entendendo o que eu estava tentando dizer.

"Bem... veja por esse lado. Se você realmente não fosse bom ou atencioso o suficiente, não estaria se perguntando isso. Não acha?"

Isso fez muito sentido.

"A única coisa que eu quero, é o seu amor. Se você me der isso, não preciso de mais nada."

Ah! Acho que essas eram as palavras que eu precisava ouvir.
Como você sempre sabe exatamente do que eu preciso?

1 de janeiro de 2009

Ficção. "Love on the Rocks"

Eu acho que, para uma jovem da minha idade, estar em casa sozinha, com uma caneca de chocolate-quente nas mãos em um dia frio e sentada em uma poltrona - meio encolhida e vestindo um moletom velho - não é bem um plano para o fim de semana. O que mais eu poderia estar fazendo? Eu não estou exatamente de bom-humor para procurar algo para fazer. Ficar aqui em meus devaneios foi o que me pareceu... melhor.
Talvez eu não tenha lá muito jeito para relacionamentos. É verdade que alguns de meus amigos - ou a grande maioria deles - me disse que eu parecia melhor sem você, mas eu nunca me importei muito com isso. Eu realmente não acredito em metade do que eles dizem, na maioria das vezes. Não acho que o meu emprego tenha atrapalhado as coisas, afinal eu precisava de um aumento - e você sabia que eu realmente precisava -, ou o meu aluguel ficaria a ver navios, com o aumento das despesas.
O que exatamente deu errado? Eu procuro não passar muito tempo me fazendo essa pergunta, já que eu nunca encontro a resposta. Também procuro ignorar o fato de que esse lugar ficou totalmente vazio e sem vida desde o dia que você saiu. Acho que ainda não associei os fatos. Você saiu de uma forma tão pacífica que foi como se estivesse saindo de viagem. Eu realmente sinto que, a qualquer momento, você abrirá a porta e vai entrar com o seu cabelo desarrumado e seu sorriso meio torto, com aquele olhar sem-graça que me dizia "Desculpe pela demora". Eu sempre achei engraçado o seu jeito tímido de dizer que estava com saudades.
Quem sabe, se houvesse alguma discussão, se tivésemos nos atacado com as palavras, eu entendesse tudo isso bem melhor. Ou se você realmente tivesse me abandonado, quem sabe. Parte de mim entende que todas essas reflexões são inúteis, porque fui eu quem disse "Acho que não está mais dando tão certo". Acho que fui eu quem destruiu o nosso relacionamento, afinal. Ficar agindo como se a culpa não fosse minha é algo completamente ilógico.
Dizem que o amor não é lógico, no final das contas. Completamente irracional.
Talvez eu nunca tenha sido uma pessoa racional. Tenho uma lembrança meio vaga daquele dia no restaurante italiano, quando você disse que o que te atraiu em mim foi o meu jeito meio "diferente". Eu me lembro também de você me dizendo algo sobre ficar comigo sem se importar pro meu jeito complicado. Você sempre dizia que gostava.
Afinal, o que foi que deu errado?
Hm, meu chocolate-quente está começando a esfriar. "Talvez seja melhor pensar menos e beber mais". Eu sempre achei interessante seu jeito doce e educado de me mandar calar a boca. "Você pensa demais nas coisas" era uma das frases mais irritantes. Você sempre foi tão oposto - tão completamente diferente de mim, e completamente perfeito para mim. Sempre tão calmo e seguro, sempre resolvendo as coisas. Talvez você estivesse tão acostumado com essas conversas que realmente não acreditou em mim, quando eu disse que não seria fácil se eu ficasse. A frase não tem lá muito sentido, já que o apartamento é meu e você quem teria que sair.
"Nosso amor ficou clichê demais pra você?", e você enfiou as mãos nos bolsos. Depois uma delas correu para o seu cabelo, e você o deixou ainda mais bagunçado. Você olhava o chão, e seus cabelos tinham cor de chocolate amargo. Estavam mais escuros por causa da chuva que você tomou aquele dia - eu sempre gostei do tom do seu cabelo, mas achava bonito quando ele ficava daquele jeito meio úmido, mais escuro que o normal. Eu realmente desmoronei quando seus olhos de chocolate encontraram os meus, e meu coração ficou todo derretido. Só não sei porque continuei com o assunto.
Por que eu tomei essa decisão mesmo?
Não que estivéssemos em alguma crise de relacionamentos, ou que eu estivesse muito carente, essas coisas. Eu só... bem, eu não sei bem o que aconteceu. Eu ainda não encontrei a resposta, afinal.
Não sei porque ainda sinto meu coração pular no peito quando a campainha toca, eu sei que não vou encontrar o que eu realmente quero do outro lado da porta. Não que eu realmente devesse esperar por isso, é meio óbvio.
Então, porque você está aqui, me olhando com esse sorriso meio torto e esse olhar sem-graça de "Desculpe pela demora"?