15 de agosto de 2015

Vestígio II

O sol se punha, a uma leve brisa dançava por entre as folhas da árvore na qual se recostavam. Ali, os dias terminavam assim, calmos, serenos, tranquilos. Ela podia sentir o peso e o calor da cabeça deitada em se ombro - embora o calor parecesse estender-se ao se peito e às maçãs do rosto. Podia quase ouvir a respiração pesada, e uma certa dor incomoda nas costas, mas mais do que tudo, podia senti-lo ali, ao seu lado. Sabia que uma dama não deveria ser egoísta, e que deveria conter seus desejos impertinentes, mas queria que tais momentos perdurassem. Ansiava pelo pôr-do-sol todos os dias, fingindo ler um romance qualquer, e podia sentir o coração explodir dentro do peito ao vê-lo caminhando em sua direção, com um riso sem jeito. Fazia cara de desinteresse, "Uma dama não pode aproveitar a brisa enquanto lê?", e sentia borboletas no estômago ao ouvi-lo rir. "Sim, ela pode. E poderia este cavalheiro desfrutar de sua companhia?"
Não se conteve, e permitiu-se brincar com as madeixas escuras entre seus dedos finos, fascinada com o contraste entre os fios negros e sua pele alva. Permitiu-se beijar-lhe, no topo da cabeça, e voltou sua atenção ao céu, pedindo que o vento esfriasse o calor de suas bochechas. Se fosse mais atenta, perceberia não ser a única com as faces avermelhadas, mas estava muito perdida nas próprias fantasias para notar que o homem a seu lado compartilhava do mesmíssimo desejo.

14 de agosto de 2015

Vestígio I

Ela correu por entre os galhos, segurando o vestido entre uma das mãos. A barra longa de linho já vira dias melhores, mas ela não se preocupava com isso agora. Vez ou outra, parava por alguns segundos para tomar ar e olhar as estrelas, orientando seu caminho. Ao olhar para trás, ainda podia ver as chamas dançando no céu, a fumaça negra se estendendo entre as nuvens. Em outras circunstâncias, deixar-se-ia levar pelas lembranças da suntuosa mansão, dos dias de calmaria, dos risinhos entre os corredores e cantos - agora, contudo, precisava escapar. Precisava viver para cumprir a vingança.
Eles pagariam. Por cada gota de sangue derramado, por cada flor pisoteada no jardim, por casa choro abafado entre as pequenas mãozinhas, acuadas entre os cantos e corredores. Por cada sopro de vida ali tomado, por cada último suspiro. Por cada pedaço de linho queimado pelas chamas de tal tragédia. Eles pagariam. Ainda que tivesse de sujar as próprias mãos com o vermelho rubro de cada um daqueles monstros em pele de homem.
Tomou o ar e seguiu em frente, por entre os arbustos e galhos. Cruzou o rio sem medo, ainda que a água fria queimasse sua pele. Certificou-se uma ou duas vezes que sua adaga permanecia entre as camadas de tecido do vestido e seguiu seu caminho. Eles pagariam. Ela os faria pagar.