30 de outubro de 2013

Transgressões de Amor


O líquido quente alastrava-se pelo chão, iluminado fracamente pela luz vinda da noite. O vento aquietava-se por um momento, ouvindo a respiração de ambos dançar debilmente pelo salão. O silêncio era quebrado apenas por um ou outro soluço que escapava dos lábios trêmulos, antes corados, que pouco a pouco perdiam a cor. A calidez abandonava lentamente a pele alva, e os dedos finos - que antes lhe trilharam caminhos ardentes pelo corpo - jaziam inertes no piso frio, tal qual o corpo cuja vida lentamente se esvaía.
No silêncio, dois corações sangravam: um, de dor, o outro, de amor. Doía-lhe profundamente no peito vê-la assim, imóvel, sem vida, com seus os olhos deixando para trás o brilho estrelado de outrora. Os lábios tremeram levemente ao deixar escapar, num fio de voz, seu nome.
Aproximou-se. Com a mão livre tocou-lhe o rosto delicadamente, tirando dali algumas madeixas sedosas que lhe atrapalhavam a visão. Notou uma lágrima desprender-se dos olhos marejados, e beijou-lhe a face, murmurando palavras baixas. "Não chore. Não agora", disse-lhe docemente, "Logo mais a dor se vai".
Um soluço ecoou pelo salão, enquanto espasmos involuntários espalhavam-se pelo corpo pequeno e delicado. Os dedos frágeis desprendiam-se do tecido úmido e quente, e escorregavam pelo peito, manchando a lateral do vestido claro. Ele tomou-lhe a mão fria entre as suas, depositando-lhe um beijo quente, embora o calor efêmero já não lhe fizesse falta. Os olhos pesavam, os pulmões falhavam e, lentamente, a dor foi tornando-se um leve formigamento, que mal se fazia sentir. Um último suspiro escapava da boca feminina, enquanto ele apertava o cano frio do revolver em sua mão.
Abaixou-se sobre ela, depositando-lhe um beijo delicado sobre os lábios frios. Não se arrependia. Sabia que ela lhe entendia, que lhe perdoaria, que havia feito o que era certo - mesmo os deuses perdoariam um coração assim, tão doente. Fizera o que fizera por estimá-la em demasia, por adorá-la de forma perturbada e, sobretudo, por amá-la. 
Fizera por amor.

--------------

Três tiros irromperam a noite surda
Pr´um corpo de calor que se extinguiu
Me deu três beijos úmidos de lágrima
Selou meus olhos como um arrepio
Crime Passional, Filipe Catto

Nenhum comentário: