8 de dezembro de 2012

Condolências

A notícia veio assim, de repente. "Faleceu hoje, pela manhã. O enterro será as 14h."
Não me incomodou o fato de ter recebido a notícia por meio de um SMS. Não me incomodou o fato de descobrir por uma rede social que ele estava na UTI há dias. Não me importava o fato de que eu provavelmente fui a última a saber. Me incomodava o fato de não me sentir incomodada. Estava, por incrível que pareça, pensando comigo mesma que era um bom dia para um velório - o céu nublado, sem nuvens de chuva, sem o sol quente: um dia triste. Eu acabara de receber uma terrível notícia, e estava comentando comigo mesma sobre o clima.
Tomei um banho rápido, e procurei por roupas pretas - afinal, eu devia o mínimo de respeito pelo morto. Não me importei se estava arrumada, porque achei que a ocasião não pedia por isso. Não me sentia triste, também; me sentia indiferente, e me incomodava profundamente saber que um conhecido havia morrido pela manhã e eu não sentia nada a respeito. Uma vida, uma pessoa cheia de pensamentos e inclinações, que tinha um trabalho, amigos e uma história pra contar tinha morrido, e eu não conseguia me importar.
Que tipo de pessoa sem coração era eu, afinal?
No velório, me senti pior. As pessoas choravam compulsivamente - ver a dor estampada no olhar da mãe dele, sua voz embargada e as palavras desconexas, me magoava. Permaneci encostada em um canto qualquer, observando a movimentação, as pessoas que chegavam e se amontoavam sobre a pobre mulher, dizendo coisas como "Ele era um bom rapaz" e "Ele está num lugar melhor agora" - coisas que, para mim, não faziam o menor sentido. Ela conhecia o próprio filho e sabia se era ou não um bom rapaz e, onde quer que ele estivesse - se é que estava em algum lugar que não o caixão onde se encontrava seu corpo -, não era ao lado dela, e essa era a parte que importava. "Somos todos muito insensíveis no fim das contas", concluí. Todos perdem algo em algum momento, mas isso não quer dizer que possamos entender a perda uns dos outros. E, por isso, eu não disse nada.
Não que ninguém devesse tentar consolar os inconsoláveis, mas eu não conseguia deixar de pensar que muitos deles, assim como eu, talvez não sentissem nada e, ainda assim, se achavam no direito de dizer alguma coisa, o que me parecia muito injusto de alguma forma. Ainda assim, uma parte de mim sabia que, de uma forma ou de outra, eu só estava tentando justificar a minha própria indiferença, procurando nela um lado positivo - que eu sabia não existir.
Não demorou muito para que o cortejo se iniciasse. Seguimos em silêncio, embora pudéssemos ouvir alguns soluços e murmúrios. Assim que os primeiros montes de terra caíram sobre a madeira escura, a mãe precisou ser amparada - mais precisamente, impedida de pular junto ao caixão. A cena foi triste, e por um momento tive a certeza de que não a esqueceria. Me perguntei o que faria se fosse minha mãe. Ou meu pai. Ou alguém que eu verdadeiramente amasse, e não quisesse deixar ir embora. Me perguntei como aquela mulher seria capaz de viver sem seu amado filho, e se alguém, além de mim, havia pensado nisso. O que seria dela agora? Não era com o morto que deveríamos estar no preocupando, ele já estava morto de qualquer forma. Será que ir até o velório, enxugar as lágrimas silenciosamente e dizer "meus pêsames" era o suficiente? Eu achava que não.
A coisa toda terminou subitamente, assim como havia começado. Tão logo os coveiros terminaram seu trabalho, as pessoas se disperçaram, como se nada tivesse acontecido. Entraram em seus carros e seguiram para o conforto de suas casas - já não era necessária a presença de ninguém, pois o  motivo que ali os uniu já estava a sete palmos do chão. Não havia mais nada com o que se preocupar.
Com relação ao falecido, eu não senti nada além de indiferença. O conhecia, já conversara com ele, mas era isso, e apenas isso. Por fim, eu só consegui pensar em como somos todos egoístas - se não é uma pessoa por nós amada, nós sequer conseguimos nos incomodar com a morte dela, e isso era triste. Muito triste.

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