30 de setembro de 2012

Do outro lado da rua.



Um dia, como outro qualquer, pode virar de cabeça pra baixo a qualquer momento.
Disso, eu sabia. Sempre soube, na verdade, e nunca sequer duvidei. Só não esperava que fosse te encontrar depois de tanto tempo, só isso. Pelo menos, não de uma forma tão inusitada, inesperada, sei lá. Dessa forma.
Te vi assim, por acaso, do outro lado da rua. Não era uma distância assim tão curta, e tinham muitos carros passando, mas eu te vi. Com seu olhar preso em alguma coisa que eu sequer me importei em saber o que era, a sua pose de entediado ainda era a mesma. E era óbvio que o seu mau-humor, visível em seu rosto, era devido ao fato de ter esquecido o guarda-chuva, e as gotinhas da garoa caindo em seu cabelo lhe incomodavam. E eu ainda podia apostar que sua camisa estava mal-passada - ou mesmo amarrotada -, e você estava usando uma meia de cada cor.
Não pude deixar de me recordar dessas pequenas coisas. Era quase inacreditável topar com você assim, no centro da cidade, depois de tantos anos sem te ver. Sem falar contigo, ou sequer pensar em ti. Até mesmo os amigos que tínhamos em comum pareciam ter o cuidado de não mencionar-lhe durante nossas conversas casuais, embora eu nunca tenha reclamado. E sequer me proibi de pensar se alguém nesse mundo consegia fazer um café que lhe agradasse ao paladar, além de mim. Se alguém, finalmente, havia aprendido a passar suas camisas, e dobrá-las da forma que você gostava. Se existia alguém, além de mim, que sabia de que lado você gostava de pendurar os cabides no guarda-roupa.
Se havia alguém que me substituia no seu mundo.
Naqueles poucos minutos, do outro lado da rua, esperando o semáforo de pedestres abrir, eu pensei em você. Única e exclusivamente em você. No seu jeito peculiar de falar e gesticular, na sua personalidade amável e nas suas expressões infantis. No quando eu te amei e, provavelmente, ainda amava, em algum lugar do meu coração. E não pude suprimir um sorriso, ao me dar conta de que ainda lembrava de todas as suas manias, tão características, depois de tanto tempo.
Quando a luz mudou de cor, respirei fundo. Passei por você sem me fazer perceber - talvez sequer fosse necessário o esforço, uma vez que seu olhar estava perdido entre as faixas da rua. Quando já estava quase do outro lado, entre o barulho da cidade e os passos dos pedestres, ouvi meu nome. Daquela maneira que só você sabia chamar. E, no entando, não virei. Não procurei seu olhar, seus braços, seu calor. Já havia passado tempo demais para isso.
Ao pisar na calçada, senti essa vontade de te ver, de gastar mais alguns minutos com você. Por muito pouco não te procurei do outro lado, não arrisquei minha vida entre os carros pra te abraçar. Por muito, muito pouco não me deixei levar pelo passado e pelas lembranças. Ali, no centro da cidade, em meio a tanta gente e tanto caos, nossas vidas seguiram seus rumos separadamente, buscando horizontes opostos. O meu dia, no entanto, já não era mais um dia qualquer.

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